18 setembro 2006

Um Sufoco

(foto do Ricardo)


A mão que segurava o comando mudava sucessivamente os canais, sem que as imagens ou os sons despertassem para algo que prendesse a atenção.
Tudo lhe parecia distante, ausente, e incapaz de retirar aquela tristeza interior que ia tomando conta de si. Lentamente, sem que os outros a vissem, mas sabia-a lá, cada dia ocupando um espaço maior. Uma tristeza sem explicação, que já noutros momentos insistira em ocupar a sua alma.
Nem sequer sabia bem ao que chamava alma. Mas a palavra ocorria-lhe frequentemente quando se referia a sentimentos menos agradáveis, dos quais não se conseguia libertar. Curioso. Habitualmente a ideia de alma associa-se a libertação. Ou talvez por isso, quando o sentimento lhe transmitia sufoco, prisão, impotência,ligava-o à ideia de alma. Como que para reforçar a lenta perca da sua capacidade de voar livremente. Nunca pensara nisto deste modo, mas os pensamentos faziam-lhe sentido.
O pensamento, o racional, o viver as incertezas, o procurar explicações sempre mais além, era este o seu tormento. Um tormento interior, na alma, e na sua relação com a vida, com os outros. Enquanto pensava nisso escorriam-lhe lágrimas e só queria poder fugir, fugir da sua cabeça, fugir de si, fugir... apenas. E regressar, recomeçar uma pessoa menos complicada. Quanto mais esse desejo lhe parecia impossivel, mais sentia que só nessa fuga estaria a sua solução para que a tristeza não voltasse a aocupar aquele espaço dentro de ti.
Sentia-se a afastar-se de si, a sufocar, a definhar, a sentir um enorme cansaço que lhe parecia dificil de não ser sentido pelos outros, como uma virose que se propagava à sua volta invadindo todo o seu espaço de vida.
As lágrimas insistiam em rolar, mais e mais, tornando-se dificil de, deseperadamente as segurar como em tantas outras ocasiões. E queria acreditar que ao deixá-las sair a tristeza se diluia em cada gota, deixando-lhe a alma livre para voar, libertando o sufoco daquele cansaço.

Maio 2006

Sem comentários: